No Rio de Janeiro, eu tinha um espaçoso atelier em Copacabana. Quando terminava de pintar, costumava colocar três telas grandes na parede, para analisá-las de todos os ângulos, confrontando-me com a minha pintura – eu na sala, eu nos quadros, – num exercício dialético de auto-conhecimento, na rota de grandes descobertas.
Naquela época, eu tinha uma empregada doméstica chamada Eva, um pouco analfabeta, que gastava o tempo soletrando as palavras da Bíblia, enquanto ia preparando a comida mineira lá da roça, feijão tropeiro, canjiquinha, frango com quiabo, santa cozinheira de mão cheia do interior das Minas Gerais, o meu estado natal. Depois de muito analisar as telas, eu chamava a Eva para dar a sua opinião de erudita e crítica de arte sobre aquela recente produção. Fazia-lhe duas perguntas, sempre as mesmas:
– Qual o quadro que você acha melhor? Qual o quadro de que você gosta mais, que lembra a sua terra, dá saudade da família?
Na primeira pergunta, a Eva atrapalhava-se toda, olhava um quadro, o outro, o terceiro, com duas bolas nos olhos, assustada e confusa. Na segunda pergunta, ela iluminava-se com rapidez e ria feliz, indicando logo um dos quadros, num genuíno gesto de sinceridade.
A arte é o que nos emociona, faz brilhar os olhos, toca o coração. A arte não se explica, nem a minha nem a da Eva na cozinha.
A inauguração desta nova exposição terá lugar no dia 15 de Outubro, pelas 18h30, na galeria Alberto Sarmento, rua da Madalena, nº 215, em Lisboa.
Quem se portou bem na inauguração está convidado a continuar a festa pelas 22h30 no pub irlandês O’Gillins, rua dos Remolares, em Lisboa.